31/07/2018
Por: marketing

Reconstruir lixo e transformá-lo numa orquestra que pode ser “ouvista”

“Preparem-se para sair daqui mais confusos do que o que entraram”, avisa João Ricardo Oliveira, à entrada de uma sala da Escola Secundária de Felgueiras. É o maestro da Orquestra do Lixo e toca aspirador. Na sala está também o Gonçalo, de 6 anos, que toca cadeira-pionés, a Clara, de 8, que toca livros, a Leonor, de 10, que toca baú de três cordas e outras nove crianças e jovens, com instrumentos igualmente peculiares.

São uma orquestra diferente, que nasceu no início de Julho e junta alunos de três escolas de música — o Conservatório de Música de Felgueiras, a Art Music e a Escola das Artes Macpiremo. Os músicos trocaram os pianos, as flautas e os violinos, por cadeiras, baldes, baús, tubos, berços ou casacos. De lado ficaram também as semínimas e as colcheias, porque para participar no “Parafuso perdido no aspirador”, não é preciso ler figuras musicais. O importante é saber “ouver” e compreender três processos: parabólica, macrobiótica e polaroid. Parece confuso?

O “Parafuso perdido no aspirador” é um workshop orientado por João Ricardo Oliveira, escultor sonoro natural de Viana do Castelo, que reúne objectos encontrados no lixo e os transforma em instrumentos musicais. Chegou a Felgueiras no início do mês através do programa Praça das Artes, promovido pela Câmara Municipal, e fica na cidade até 4 de Agosto, dia em que a Orquestra vai tocar lixo para quem quiser ver.

Para já, estão em fase de construção e ensaios, numa sala que está repleta de caixotes empilhados e objectos partidos. No centro, os instrumentos estão dispostos como os de uma orquestra convencional. Há máquinas de escrever, baús com cordas, caixilharias de janelas transformadas em harpas: soluções improvisadas, construídas a partir do lixo que João Ricardo trouxe.

O “Parafuso perdido no aspirador” é isso mesmo, “a procura de soluções por todos”, explica o mentor. Para isso, primeiro há que “ouver” — ouvir e ver — e, depois, partir para a “construção e desconstrução do objecto em busca das sonoridades.” O workshop faz parte de um projecto maior, o Lixoluxopóetico — “com acento na letra ‘o’ porque eu toco aspirador”, explica João Ricardo.

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A busca incessante pelo som e a esperança de nunca o encontrar

O Lixoluxopóetico é, segundo o escultor sonoro, um processo de “insatisfação sonora e de procura do som perdido”. É a busca pelas sonoridades nos objectos mais imprevisíveis. Para isso, João Ricardo vasculha os ecocentros e recolhe o que tiver potencial para ser transformado num objecto capaz de criar sonoridades. Mas como é que, olhando para uma pilha de lixo, se percebe o que tem interesse?

João Ricardo refere que o segredo é aplicar os conceitos base do projecto: a parabólica, a macrobiótica e o polaroid: “A parabólica é o observador observado, os contentores do lixo, que são as bibliotecas e enciclopédias; a macrobiótica é o processo de conseguir ver em grande algo que é pequeno; e o polaroid é a foto imediatista que se saca ao objecto”. Por outras palavras, é uma questão de perspicácia.

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Para Isabel, baterista de 14 anos, esta história não fazia muito sentido, no início. “Pareceu-me um pouco confuso, eu não sabia muito bem no que isto ia dar, mas depois comecei a perceber e estou a gostar muito”, confessa. À sua frente tem um conjunto de baldes, encaixados numa armação em metal. Mas o instrumento tem muita mais ciência do que aparenta: “Está dividido em várias partes e os sons vão variando. Se tocarmos aqui, tem um som, se tocarmos aqui, tem outro. Se quisermos vários ritmos, tocamos em várias partes”, explica, enquanto bate nos baldes para comprovar.

Tocar lixo é inventar e decorar

Mas, afinal como é que se faz música com estes instrumentos? “Inventamos. Temos de tocar, ouvir o som e ver se soa bem”, explica Leonor. Clara complementa: “Cada um decora o que tem de fazer. Às vezes o João também faz gestos e nós percebemos.”

Quando chega o momento de “ouver” a Orquestra do Lixo, a postura dos músicos é tão séria como se estivessem em palco. “Manda som!”, é a ordem para começar. O maestro faz sinais que vão indicando o momento de entrada de cada músico. Passeia por entre os instrumentos e dá indicações individuais a alguns músicos, que vão trocando de instrumentos. Gonçalo passa da cadeira-pionés para a máquina de escrever (para no final da peça revelar que “tocar piano é mais fácil do que máquina”).

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Apesar da confusão harmoniosa da música da Orquestra do Lixo parecer improvisada, não é. “Nada está ao acaso na construção. Eles sabem perfeitamente quando entra o João, no baú de quatro cordas, e a Leonor, no baú de três cordas. Isto é escrito, trabalhado e depois nasce a partitura, feita a partir de traços, desenhos e objetos”, explica João Ricardo.

A música atinge o clímax: os músicos batem freneticamente nos instrumentos enquanto o maestro começa uma dança alucinante. Segundos depois, agarra no seu instrumento — o aspirador — e começa a empurrá-lo para trás e para diante. Larga-o, para se enfiar nos metros de papel que estavam guardados no berço. Os músicos tocam com entusiasmo, sorrisos abertos. Quando a música acaba, batem palmas enquanto gritam “Johnny” repetidamente. O maestro, agora aclamado rei, veste um manto e uma coroa — que é como diz uma capa de guarda-sol e um brinquedo em forma de cogumelo — enquanto esbraveja vitorioso.

 

 





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