20/02/2017
Por: marketing

Próximo dos 75 anos, Milton Nascimento fala sobre sua volta aos palco

Milton Nascimento (foto) deixou o violão de lado por uns tempos. Na manhã de sexta-feira passada, 10, pegou o instrumento e cantou Caçador de Mim, momento registrado em vídeo e postado em suas redes sociais. A música de Luiz Carlos Sá e Sérgio Magrão, que ele tomou para si em antológica gravação no álbum homônimo de 1981, ilustra bem a vitalidade do compositor a caminho de seu aniversário de 75 anos, em outubro. Um mês especial, que também marca os 50 anos de lançamento de Travessia, no Festival Internacional da Canção. “Agora, sinto que estou me caçando de novo. Daqui da varanda de casa, tenho o prazer de ver bem de perto as montanhas, as nuvens e as árvores. Estou muito feliz de estar de volta”, diz Milton nesta entrevista exclusiva.

Carioca criado em Três Pontas, no sul de Minas, Milton é a principal referência musical do Estado. Ele deixou o Rio de Janeiro, onde morava desde os anos 1980, há nove meses, quando se mudou para Juiz de Fora. Augusto Kesrouani, seu filho adotivo e responsável por sua carreira, estuda na cidade. Desde fevereiro de 2016, o compositor está distante dos palcos. Ao retomar o contato com suas raízes, decidiu voltar para a estrada com o show Semente da Terra. A primeira apresentação ocorre no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, no dia 25 de março. Os ingressos já estão à venda.

O repertório foi montado por Danilo Nuha, seu assessor de imprensa, que escolheu clássicos do compositor com conotações políticas e sociais. A questão indígena, racismo, trabalho, e mobilização social dão a tônica das canções. O nome do espetáculo, que deve passar por São Paulo no início do segundo semestre, é o mesmo que Milton recebeu de lideranças espirituais da tribo guarani-caiová depois de uma apresentação em Campo Grande. Sua relação com os índios é antiga e gerou até um disco, Txai (1990), com o objetivo de apoiar a Aliança dos Povos da Floresta.

Para Milton, Semente da Terra é um show em que ele se coloca diante das injustiças e das turbulências contemporâneas. “O mundo todo tá danado. Esse show tem muito a ver com o que a gente sempre pensou e continua pensando da vida. É político, mas não é panfletário. Acho que o ser humano foi feito pra ser feliz, viver e criar, o que está ficando difícil para todo mundo”. Ele diz que uma das razões que o levou a sair do Rio é a situação instável da cidade. “O Rio é uma cidade linda, que eu adoro, e estou muito triste com o que acontece lá. Eu já não conseguia me sentir à vontade e não saía de casa”.

A estrada também cansou Milton, que teve de adiar e cancelar apresentações por motivos de saúde entre 2014 e 2015. Em Juiz de Fora, ele leva uma rotina tranquila e saudável. Faz exercícios, vê novelas e recebe amigos e admiradores como a cantora Gal Costa e o ator Alexandre Nero. Revigorado, quis se reencontrar com o público.

“Até um tempo atrás, eu estava meio sem querer mexer com essas coisas, mas agora estou querendo. Eu e meu filho começamos a tocar umas músicas aqui em casa e isso dá uma saudade enorme do povo”, conta ele. Os comentários com pedidos de shows são frequentes em suas redes sociais, incentivo extra para a montagem de Semente da Terra.

Admirador de vozes femininas, Milton convidou a cantora mineira Bárbara Barcellos, que prepara seu primeiro álbum, para participar do show. Ela foi apresentada ao compositor pelos irmãos Wilson, diretor musical de Semente da Terra, e Beto Lopes, que o acompanham há anos. “Recebi um disco em que ela cantava músicas minhas e achei lindo demais. Quando fomos chamar o pessoal pra fazer parte desse show, a gente quis que ela estivesse conosco.”

Como disse Fernando Brant em uma célebre música com Milton, a vida é feita de encontros, mas também de despedidas. Falar das recentes mortes de um de seus principais letristas e do percussionista Naná Vasconcelos o emociona. Milton conta que Brant, seis meses antes de morrer, foi visitá-lo com Ronaldo Bastos, outro parceiro constante.

Naquele dia, Brant iria contar que tinha um tumor no fígado. Não teve coragem. “Saber disso foi um baque. Eu e ele pensávamos juntos, foi uma pessoa maravilhosa que passou pela minha vida. Quando o conheci, ele não fazia letra. A primeira da vida dele foi Travessia, que ele só fez porque eu insisti”.

Com Naná, que participou de discos históricos como Milton (1970) e Milagre dos Peixes (1973), Milton tentou estabelecer contato por telefone durante uma internação do percussionista, que dava gargalhadas do outro lado da linha. “Nem deu para conversarmos direito. Ele era uma loucura, tudo de bom que uma pessoa pode ser. Além de ser um dos maiores percussionistas que eu já vi na vida, conhecia tudo da música do mundo inteiro”, afirma Milton.

Reconhecido como um compositor de linguagem universal, Milton é reverenciado no exterior desde o lançamento do disco Courage (1969), produzido por Creed Taylor, com arranjos de Eumir Deodato. Em maio do ano passado, ele foi a Boston receber o título de Doutor Honoris Causa na Berklee College of Music, “em reconhecimento às suas muitas realizações e conquistas na carreira. Sua música tem influenciado gerações de músicos e enriquecerá, para sempre, a música popular”, afirma a carta enviada a ele pela instituição.

Ele diz que aceitou o convite mineiramente desconfiado. “Uma vez, dois caras de lá vieram tocar comigo. Aí comecei a pensar que o pessoal de lá era muito cheio de pompa, nem gostava que falassem pra mim da escola. Chegando lá, vi que não era nada do que eu estava pensando. A escola não tem nada a ver com as pessoas, a pessoa é a pessoa”. Na Berklee, Milton recebeu um diploma e viu uma apresentação dos formandos tocando suas composições.

Depois de reouvir suas gravações antigas e voltar a tocar violão e piano, Milton já pensa em compor. Diz que as ideias já estão na cabeça e as melodias saem naturalmente. “Acho que agora já dá para começar de novo, sabe? Está do jeito que eu gosto e isso dá uma injeção de ânimo. É um barato”. Milton já não quer parar.

‘Travessia’ e ‘Clube da Esquina’ fazem aniversário neste ano

Quando Milton Nascimento conquistou o segundo lugar do Festival Internacional da Canção com Travessia, em outubro de 1967, a música brasileira estava rachada. Naquele mesmo mês, em outro festival, promovido pela TV Record, Caetano Veloso e Gilberto Gil plantaram as sementes da Tropicália com Alegria, Alegria e Domingo no Parque, estabelecendo tensões com colegas que queriam distância da guitarra elétrica, em nome de um som brasileiro e autêntico.

Milton havia jurado nunca mais participar de festival. Estava decepcionado com o clima de competitividade que viu nos bastidores do festival da TV Excelsior em 1965, quando defendeu Cidade Vazia, de Baden Powell e Lula Freire. O cantor Agostinho dos Santos, que lhe deu apoio em São Paulo quando Milton pensava em voltar a Minas, pediu três músicas para seu próximo disco. À revelia do compositor, Agostinho as inscreveu no FIC. Todas foram classificadas e ele foi apresentá-las para 20 mil pessoas no ginásio do Maracanãzinho.

Com Travessia, Morro Velho e Maria Minha Fé, Milton conquista admiradores dos dois polos. Quase 50 anos depois, o compositor se recorda do clima de embate e diz que o fato de unir turmas esteticamente distintas em torno dele tem a ver com sua abertura a qualquer tipo de música. “No festival, todo mundo estava achando que eu fazia uma música diferente, e eu nem achava que era tão diferente assim, porque era algo que já estava dentro de mim.” A fusão de estilos vem de múltiplas influências, dos discos do pai, Seu Josino, à necessidade de tocar de tudo nos bailes da vida. E daí surge Miles Davis.

Milton conheceu a obra do trompetista depois de se mudar para Belo Horizonte, no início dos anos 1960. O interesse por Miles permanece até hoje. Durante a entrevista ao Estado, o vinil do álbum Someday My Prince Will Come (1961), estava à vista na sala de estar, embaixo do aparelho de som. “Miles mexeu demais comigo. Fui à casa de uns amigos músicos e lá o ouvi pela primeira vez. Quando escutei aquilo, falei com o pessoal que aquilo não era um trompete, era a minha voz. Até achei que eles iriam rir de mim, mas não riram. Acharam que eu estava certo e a partir daí eu me liguei mais no jazz”, relembra.

Seu primeiro álbum, gravado depois do festival, também completa 50 anos. A compositora Geni Marcondes pontua na contracapa. “Havia dois grupos inconciliáveis: aquele, remanescente da fase bossa nova, de rico balanço e rica harmonia, mas inteiramente fechado às características da música rural, por julgá-la pobre e obsoleta. O outro, herdeiro daquela velha linha dos sertanejos, também invulnerável às conquistas da bossa nova, apregoando uma fidelidade um pouco ingênua aos ritmos e modos regionais (…). Com Milton Nascimento, uma ponte se estendeu promissora entre os dois grupos até então antagônicos.” Milton escolheu o Tamba 4, formação ampliada do Tamba Trio do pianista Luiz Eça, para acompanhá-lo.

As pontes que o primeiro disco estabeleceu dão outros frutos cinco anos depois com o lançamento de Clube da Esquina. Depois de reencontrar Lô Borges, irmão de seu parceiro Márcio, em uma visita a Belo Horizonte, Milton decide fazer um disco com ele. Lô era um beatlemaníaco fanático e pede para levar um amigo chamado Beto Guedes.

O álbum, lançado há 45 anos, é um dos clássicos da música brasileira. Milton diz que até hoje não sabe dizer por que os fãs têm um carinho especial por ele. “Aquilo foi uma coisa importante para gente porque era um disco de turma. Sempre que vou em algum lugar, alguém fala desse disco com carinho. O Wagner (Tiso) e o Eumir (Deodato), que fizeram os arranjos, misturaram tudo. Rock com jazz, samba com as coisas do Lô, tudo podia. O Clube tem muito a ver com o que acontece na música dos outros países, onde ninguém impõe diferença de estilos. Mas o que eu gosto mesmo é que esse disco fez com que a amizade com Lô ficasse para sempre.”

Fonte: Repórter Diário

 





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